domingo, 8 de março de 2009

Com Ney Matogrosso, sequência mostra bandido da Luz Vermelha na prisão Publicidade

SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo (8 de Março de 2009)

"Com raiva, o tesão sempre aumenta." Esse é um dos aforismos do Bandido da Luz Vermelha, grafitado nas paredes da prisão onde ele desfruta de tempo e espaço para exercitar ambos, a raiva e o tesão, segundo roteiro escrito por Rogério Sganzerla (1946-2004), que está sendo filmado em São Paulo desde domingo passado.

É Ney Matogrosso, 67, quem agora vai viver João Acácio Pereira da Costa (1943-1998), o bandido no qual o cineasta se inspirou para filmar seu "western do Terceiro Mundo", hoje um clássico. O cantor sucede Paulo Villaça (1946-92), o protagonista do primeiro filme.

Desta vez, trata-se de "uma comédia presidiária", diz a atriz Helena Ignez, viúva de Sganzerla, que convidou o cineasta Ícaro Martins para dividir com ela a direção de "Luz nas Trevas - A Revolta de Luz Vermelha", o título da sequência.

Sganzerla deitou em 3.000 páginas --depois condensadas num roteiro de 86-- seu humor corrosivo e sua crítica ao sistema prisional brasileiro. "Ninguém se penitencia numa penitenciária"; "o crime só não compensa para os pobres", diz o bandido, além de retomar a associação entre crime e política, expressa no primeiro filme.

(Foto: Eduardo Knapp/Folha Imagem. Set da sequência de "O Bandido da Luz Vermelha", com Ney Matogrosso à direita)

Cinema escrito

Para cada cena da sequência de "Luz Vermelha", Sganzerla escreveu diversas opções. No período em que encontrou dificuldade para viabilizar financeiramente seus filmes, o diretor "passou a fazer cinema com a máquina de escrever", como diz a atriz Djin Sganzerla, filha do cineasta com Helena Ignez.

Em "Luz nas Trevas - A Revolta de Luz Vermelha", Djin interpreta Jane, papel homônimo e equivalente ao de Helena Ignez no primeiro longa. Aqui, Jane é a namorada de Tudo-ou-Nada (André Guerreiro Lopes), filho de Luz Vermelha e seu sucessor na bandidagem.

Tudo-ou-Nada é fruto da relação do bandido com Olga (Sandra Corveloni), uma entre tantas mulheres que se dispõem a ir até a prisão realizar as fantasias sexuais dele.

Nos anos de encarceramento, Luz Vermelha decide ser "bom em tudo". Exercita o corpo com aparelhos de ginástica improvisados e cultiva o pensamento, lendo grandes filósofos.

Quando se dá conta de que a confissão de crimes aumenta seu status na cadeia e lhe garante regalias, passa a assumir mesmo os que não cometeu.

"O personagem tem um lado intelectual que eu não tenho. Gosta de ler Kant e Nietzsche. Só li Nietzsche uma vez e achei chato", diz Matogrosso.

(Foto: Eduardo Knapp/Folha Imagem. Ney Matogrosso durante as filmagens)

As opiniões do bandido, porém, Matogrosso compartilha com entusiasmo. "Sou contestador. Falo com verdade e prazer as coisas que ele diz, como 'os espertalhões do Brasil não vão para a cadeia'", afirma.

Com apenas algumas pontas em longas e dois curtas-metragens no currículo de ator, Matogrosso tem experimentado "prazer e adrenalina" no set de filmagens de "Luz nas Trevas".

No palco, diz ele, os sentimentos não são diferentes, mas sim a noção de responsabilidade. "Lá, sou um personagem de mim mesmo e eu é que toco o barco. Aqui, não. Estou a serviço dele [o bandido]."

Nu contestador

Disposto a levar adiante a carreira de ator, Matogrosso diz que procurou se colocar "em branco" para que os diretores pudessem "esculpir" nele a performance que desejassem.

Isso não quer dizer que o ator acate sem argumentar as ideias que os diretores lhe apresentam. Quando lhe pediram para fazer uma cena nu, ele respondeu: "Posso até fazer, mas eu ficava nu quando não podia". Matogrosso avalia que expor a nudez deixou de ser um gesto contestador "hoje em dia, quando tudo é consumo imediato e há essa exposição frenética das pessoas".

Helena Ignez acredita que, a despeito de certa banalização atual da nudez, "quando, numa prisão, um homem nu, com uma vela na mão, lê Kant em espanhol, isso é político e contestador". Matogrosso filmou a cena.

Os produtores preveem lançar ainda este ano o filme, cujo orçamento é de R$ 2,8 milhões.

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